Van Gogh, corvos, tempestades e a eterna dúvida sobre sua última pincelada

Imagine produzir duas mil obras de arte em apenas dez anos. Agora imagine fazer isso sem redes sociais para divulgar, sem reels de processo criativo e sem ninguém comentando “meu, você é o novo gênio incompreendido do Instagram”. Pois é, Vincent van Gogh fez exatamente isso, só que no final do século XIX, quando o hype era conseguir vender uma obra, não ganhar curtidas.

O mais curioso é que, mesmo sendo uma fábrica humana de quadros, Van Gogh só alcançou a fama depois de morto. Vida injusta ou estratégia de marketing cósmica, nunca saberemos. O fato é que nos últimos três meses de sua vida, lá em Auvers-sur-Oise, um vilarejo pacato nos arredores de Paris, Van Gogh estava mais produtivo do que muita startup hoje em dia. Foram 77 obras em apenas algumas semanas, uma média que deixaria qualquer influencer de arte sem fôlego.

E aqui começa o mistério que alimenta teóricos, críticos e, claro, turistas que lotam o Museu Van Gogh em Amsterdã. Afinal, qual foi a última obra do mestre? Muitos juram que foi o icônico Campo de Trigos com Corvos, aquele cenário dramático com céus pesados e corvos sobrevoando os campos, quase um spoiler da tragédia que viria logo depois.

Mas outros garantem que a última tela foi Raízes de árvore, encontrada inacabada no cavalete do artista no dia de sua morte. O curioso é que, mesmo cercado por tantas teorias, ninguém lembra que talvez Van Gogh só quisesse pintar raízes de árvore e pronto. O homem passava os dias tentando capturar a beleza de campos, jardins e céus turbulentos, enquanto a gente tenta decifrar cada pincelada como se fosse código secreto.

E não para por aí. Van Gogh também resolveu brincar com o formato das telas. Antes, usava as medidas padrões de Paris, aqueles quadradinhos bonitinhos de 50×50 cm, fáceis de carregar. Mas nos seus últimos suspiros criativos decidiu juntar duas telas, criar painéis duplos e abrir o campo de visão, como quem diz ao mundo vou sair daqui, mas deixo meu legado em formato panorâmico. Ou seja, inventou o “modo paisagem” muito antes dos celulares.

Jardim de Daubigny, por exemplo, pintado três vezes, mostra que Van Gogh era fã de outros artistas e do próprio jardim fechado do tal Daubigny. Já Campo de trigo sob nuvens de tempestade é quase um grito visual: campos verdes, céu azul e aquela sensação de que tudo se estende além da tela, como se a vida, mesmo turbulenta, insistisse em continuar.

No fim das contas, talvez a dúvida sobre sua última obra seja parte do charme. Porque Van Gogh, entre corvos, tempestades e raízes, deixou algo que ninguém pode negar: um campo vasto de perguntas sem resposta, cores que desafiam o tempo e a certeza de que, com ou sem redes sociais, ele sabia como ninguém transformar angústia em arte.

Jackson Santos

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