Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
No Brasil, a gente aprende que só se mexe quando o caldo entorna. Ou melhor: quando o cão late demais ou o gato some na conexão. Foi preciso que o país inteiro se emocionasse com histórias como a da cadela Pandora, perdida por 45 dias (quem nunca se perdeu tentando fazer escala em Guarulhos, né?), ou do cão Joca, que embarcou para um destino… final, para que o Senado finalmente decidisse olhar para a caixa de transporte não como um acessório, mas como uma questão de segurança e humanidade.
Sim, agora temos um substitutivo aprovado que trata cães e gatos não como bagagens vivas — um conceito horrível que infelizmente ainda é prático em muitos porões de aeronaves — mas como seres vivos com direito à dignidade durante o voo. O projeto é bem estruturado, detalhista e cheio de termos que fazem qualquer passageiro se sentir um pouco mais esperançoso… até a próxima conexão atrasada.
A relatora, senadora Margareth Buzetti, deu um nó legislativo nos projetos que tramitavam simultaneamente e, ao invés de criar mais uma lei para enfeitar a estante jurídica brasileira (aquela mesma onde ninguém tira o pó), resolveu esculpir um capítulo especial dentro do Código Brasileiro de Aeronáutica. Uma jogada ousada, quase poética, se não fosse trágica a origem da demanda.
E é aí que a crônica começa a pesar.
O caso Joca não foi o primeiro. E, se depender da nossa amada “cultura do improviso”, não será o último — a menos que essa lei desça do papel e suba ao porão das aeronaves com força de fiscalização. Porque o Brasil é mestre em aprovar normas lindas, com letra dourada, mas que na prática esbarram em rampas quebradas, terceirizações mal treinadas e carregadores de bagagem que tratam caixas com furos como se fossem malas de gesso.
A nova regra obriga empresas aéreas a fornecer rastreamento, ambientes climatizados e treinamento das equipes. Ótimo. Também diz que o tutor será responsável por limpar a sujeira do pet, o que é absolutamente justo. Afinal, se um bebê pode ter seu assento tomado por um trocador improvisado, por que o golden retriever também não pode deixar sua marca?
Ironias à parte, o mais curioso (ou triste?) é que essa lei não abrange outros animais. Ou seja, se você tiver uma cacatua ou um porquinho-da-índia de estimação, continue rezando para que seu voo não tenha escala. E quanto à proposta de um veterinário em aeroportos com mais de 600 mil passageiros? Foi considerada exagerada. Exagero, no Brasil, é cuidar demais.
No entanto, o projeto prevê que a companhia aérea seja responsável civilmente por danos aos animais, independentemente de culpa — exceto, claro, se a culpa for do próprio tutor ou do destino (leia-se: saúde do bichinho). Parece justo. Mas será que as seguradoras vão concordar?
E se houver pane, cancelamento, ou aquele clássico “perdemos sua mala e seu gato” no sistema, a empresa terá que se virar para garantir o bem-estar do animal. Agora, imagine isso sendo feito num terminal em que falta papel higiênico nos banheiros. É um otimismo comovente.
A iniciativa é essencial, louvável e demorou. Finalmente tratamos cães e gatos como passageiros, não como encomendas. Mas, como quase tudo por aqui, a eficácia da lei vai depender de como (e se) ela será colocada em prática. Se for mais uma daquelas normas que servem apenas para discurso de plenário, os animais seguirão sofrendo — só que agora com base legal para processar.
Enquanto isso, seguimos torcendo para que a próxima viagem dos nossos bichinhos seja menos traumática do que a nossa última conexão. E que, um dia, a gente entenda que civilização não é só construir aeroportos modernos, mas garantir que até um vira-lata caramelo possa voar com dignidade.
Crônica — “Um Lugar na Janela, por Favor”
Por Jackson Santos
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